Carta ao pai
Hoje, 01/06/2020, completam-se 26 anos da morte de meu pai, Sérgio Vaz Pupo. Apesar do caos em que estamos, lançados à própria sorte por um governo fascista numa crise sanitária sem precedentes, resgatei num caderno por aí um texto que me lembrava de ter escrito ano passado em sua memória. É este que segue.
Um amigo mandou num grupo de Whatsapp: a imagem de um banco vazio e a pergunta: “quem você escolheria para conversar por uma hora?”
Nós temos 25 anos de atraso, mas o que eu não faria por essa uma hora? Nem que não falássemos nada, que apenas calássemos juntos. Ombro a ombro, curtindo o balanço do tempo.
Porém, se falássemos, teríamos tanto pra dizer! Quando se perde tão cedo alguém tão importante, não sobra nada, senão fantasia. E, como a criança que fantasia seus bonecos de plástico como os mais gloriosos e infalíveis heróis, a criança que fantasia a imagem do pai que partiu precocemente também o faz, elevando-o às mais altas esferas. A diferença, porém, é que a imagem do herói de plástico se perde no tempo, coisa que não acontece com o outro de carne e osso que desencarnou. Sua imagem continua inviolável na imaginação da criança, mesmo muito depois dela já ser gente grande.
Talvez nessa uma hora eu não perguntasse nada sobre seus feitos e estripulias na mocidade; sobre isso já muita gente me conta. Talvez eu aproveitasse o tempo para perguntar seus defeitos, medos e arrependimentos. Para, talvez, te fazer chorar ao meu lado.
Veja bem, isso tudo não seria por sadismo, raiva ou rancor, mas para te tornar humano, para animar o herói, te ver como gente que foi e, talvez, te ter mais real em mim. Se você não pode estar encarnado; se você, por dinâmica inexorável da vida, tem que estar como nuvem, como fumaça que paira para sempre em minha mente, eu preferia que fosse fumaça mais densa, e não essa luz diáfana que eu pouco vejo, mas que tanto espaço ocupa, hoje e sempre.
Ou não! Ou talvez eu te prefira exatamente assim, como lembrança. Não que faça diferença… São só palavras num pedaço de papel, fantasiosas como um herói de plástico em sua torre no braço do sofá.
De Juliano Guillen Pupo
para Sérgio Vaz Pupo
São Paulo, 17/06/2019.